gurum gudum.




("003" de Arnaldo Dias Baptista, acrílica e mixed media sobre papelão paraná)



Curadoria, expografia e texto curatorial da exposição Gurum Gudum: entre fadas e travesseiros travessos, com obras de Arnaldo Dias Baptista.

"'Fui andando no caminho e encontrei uma coruja', canta Arnaldo Dias Baptista na música Gurum Gudum, presente no álbum de 2004 intitulado Let It Bed. A canção que agora empresta o título à exposição organizada pela CaSa SLAMB, vinte anos depois, nos dá uma pista de que caminho seguir para adentrar no universo particular deste artista-lenda brasileiro: o bicho é o psicopompo. 

O coelho branco é o guia espiritual de Alice em direção às Maravilhas. Também é o cachorrinho Totó que, ao fugir, acaba conduzindo Dorothy em direção ao reino encantado de Oz. Fora do mundo cotidiano e mergulhadas na fantasia, essas personagens atravessam o processo de individuação, onde a ordem da vida é subvertida em nome do sensorial. Na obra de Arnaldo, um coelho, um pássaro de bico alongado ou um javali, entre outros guias misteriosos, encarnam os signos desta viagem. 

Na obra pictórica de Arnaldo, a fusão de realidades transforma o comum em algo fantástico – o corpo humano em paisagem, a paisagem em travesseiro, os animais em seres mitológicos, e assim sucessivamente –, até que a ciência se transmute em misticismo e, finalmente, de volta em ciência: “sou um ser", dizia Arnaldo em uma entrevista, "que às vezes encontra uma estrada aberta à minha frente, de onde tento extrair aquilo que tem de melhor diante de mim”.

Através de obras elaboradas com tinta acrílica e mixed media sobre papelão paraná ou sobre tela, Arnaldo conjura desenhos escultóricos de tonalidades efervescentes: amarelo limão, rosa choque, laranja fluorescente e assim por diante. Com uma fisicalidade pronunciada, em manchas gordas de tinta que se apresentam quase tridimensionais, a composição imagética de Arnaldo é antes de tudo da ordem da sensação.

Em Gurum Gudum, tudo o que é sólido se desmancha no ar. Figuras encerradas por quadrados e ângulos retos extrapolam seu confinamento através da vibração cromática. Tudo parece se encontrar no limite entre uma realidade e a próxima, em estágios de representação que mesclam o figurativo e o abstrato, como se o olho humano fosse capaz de enxergar vibrações invisíveis da luz e, enfim, decifrar as forças misteriosas que regem a nossa realidade por debaixo dos panos.

'Hojé é dia 36', cantava Arnaldo Baptista nos anos sessenta, sugerindo com isso uma extrapolação do calendário, a frugalidade da vida cotidiana como uma barreira a ser transcendida. Agora, aos 76 anos de idade, com seu estilo muito livre e singular, ele transita entre convenções, realidades e desejos a fim de tornar visível – como uma "Vela que Revela", nome de uma de suas telas – a maravilha que é capaz de enxergar no mundo".


Organizada pela Casa Slamb, em São Paulo
Curadoria de Roger Valença e Lucas Velloso




Mais informações disponíveis aqui e também na coluna SINAPSE.